Por Bruno Maia
Zeitgeist é a expressão alemã usada para substantivar algo de difícil apreensão, invariavelmente traduzida em português como “o espírito de um tempo”. Podem existir diversos zeitgeists na mesma era, a depender do ponto de vista que se observe. Não há dúvidas de que caberia usar a expressão alemã para falar de algo que está no ar, em curso, em movimento, agora, e que vive entre as transformações culturais da nova economia do futebol e os novos rumos do esporte.
Recentemente, o Venezia FC, clube da segunda divisão italiana, lançou uma iniciativa para captar com seus torcedores o dinheiro necessário para a construção de um CT. Algo parecido com o que o Vasco da Gama fez, em 2019, por aqui. Porém, o time da Itália trouxe uma novidade que é oferecer uma estrutura financeira de retorno de investimento pré-fixado, além de acesso a experiências exclusivas junto ao time para quem colaborar. Ou seja, ao invés de pagar juros a um banco, o Venezia pagará aos seus torcedores, como forma de retribuição pelo investimento. No caso, 7,5% ao ano e mais bônus em caso de acesso à primeira divisão nos próximos 5 anos.
Essa iniciativa dos italianos aponta para uma tendência de descentralização econômica que já vem se espalhando pelo mercado financeiro. Vivemos uma era em que a diversificação de ativos e a tokenização de qualquer contrato financeiro já são uma tendência e encontram uma audiência (nós e nossos contemporâneos) que tem se mostrado receptiva a essas oportunidades.
Do lado tecnológico, o avanço de redes de blockchain também parte dessa premissa. A geração de contratos inteligentes autônomos, regulados por uma rede de usuários interligados e descentralizados, também vem crescendo. Nas blockchains, além da aplicação para contratos financeiros, também vemos crescendo culturas como as do utility tokens e fan tokens, que complementam em muito os valores de ativos digitais.
Quem já ouviu falar de NFT, por exemplo, geralmente estranha que alguém possa ver valor e pagar caro por esses produtos digitais colecionáveis. Porém, já há uma geração bem grande de novos produtos que além disso oferece acesso a serviços ou experiências diferentes. Talvez um consumidor mais conservador não veja valor em um NFT, mas se ele der acesso a assistir um jogo de futebol sentado ao lado do Messi, essa segunda característica já ajudará a entender o potencial desse novo universo.
Enquanto clubes são vendidos, diretos de transmissão mudam suas formas de comercialização, mecanismos de solidariedade são oferecidos como produto financeiro cotizável e tokens de experiência aproximam o fã dos seus ídolos, percebemos o tal zeitgeist. Ele trata de descentralização e diversificação.
Em um futuro próprio, não será improvável ouvirmos sobre iniciativas de torcedores se juntando para adquirir e gerir um clube (já existem iniciativas nesse sentido também em blockchain), ou mesmo de financiar o saneamento da dívida através de estruturas financeiras alternativas. Quem tiver mais condições de resistir por mais tempo, sem tomar decisões açodadas, especialmente no futebol, terá mais chance de entender melhor onde esse zeitgeist vai nos levar, ver o que funciona ou o que é blefe nesse admirável mundo novo.
*Bruno Maia, executivo de inovação no esporte e CEO da Feel The Match. Autor do livro ‘Inovação é o Novo Marketing’.